Nos meus projetos de criação mais recentes, tenho desenvolvido práticas que cruzam o gesto performativo com a ação de desenhar. Em suma, como performer, proponho-me à construção e composição de dispositivos intuitivos cujos materiais derivam de processos de recolha, respigação, arquivo e/ou encontro espontâneo.
Estes eventos visam proporcionar ao público uma perspetiva envolvente e a 360°. Por exemplo, em 2018, durante uma residência no CEA (Moita), para a construção de um desenho espiral, utilizei um fio encontrado numa fábrica têxtil desativada. Em 2019, no Palácio dos Correios (Festival DDD, Porto), utilizei ferros encontrados em prédios abandonados pela cidade do Porto para criar uma figura triangular. Em 2020, usei terra para desenhar uma figura circular no Festival Mandala (Breslávia), nos Ilka Studios (Hannover) e na Biblioteca Pública Casa de las Conchas (Salamanca). Em 2021, as folhas de um livro estragado que encontrei abandonado na rua serviram para a composição de uma figura curvada e orgânica no Lake Studios (Berlim). Mais recentemente, em 2023, criei uma figura multicelular no chão da estação do Metro de São Bento (integrado no Corpo+Cidade, Porto) com pequenas madeiras descartadas numa marcenaria.
Atualmente, e ainda sem experimentações práticas, tenho estado curioso e motivado com a possibilidade de ativar um desenho focado, quase exclusivamente, numa ideia de linha. É nesse sentido que surge o projeto aqui proposto.
A performance consistirá na simples ação de riscar, com uma barra de carvão, uma linha sobre papel branco. É importante ressaltar que ambos os materiais serão provenientes de um processo de reciclagem ou reaproveitamento.
Durante as residências de pesquisa para este projeto, proponho-me a complexificar a linha, começando por abordar questões fundamentais como: "O que é uma linha ou o que pode ser uma linha?" e "O que significa linear (também delinear, esboçar, riscar, traçar, marcar ou contornar)?" A partir destas questões simples, permito que outras possam emergir, como, por exemplo:
De que forma a presença do público e do espaço pode interferir na linha, tornando-a específica do local e do momento?
De que forma a sonoridade e a temperatura do lugar podem influenciar a espessura, a rigidez ou a textura da linha?
De que modo o gesto carrega um peso identitário e pessoal no momento presente ou na memória afetiva?
Com estas questões, pretendo tornar a ação sensível a uma atenção pluriprisma e multidimensional, na perspetiva de que cada linha desenhada (ou marcada) não seja apenas mais uma, mas singular em cada nova possibilidade.
O termo "linear" implica criar uma barreira, uma separação ou um limite (por exemplo, delinear). Propõe-se a subjetividade de uma linha do tempo ou horizonte: linha reta, linha contínua, não linear, curva, breve, invisível ou interrompida. Desenhar uma linha pode implicar ataque, generosidade, sobressalto ou silêncio, por exemplo. Outras questões e reflexões surgirão como elementos contaminantes e forças nucleares para texturizar a linha evocada neste projeto.
É fundamental também ressaltar que a linha a ser registrada não deixa de ser uma linha em sua essência. Assim, transversalmente à criação deste projeto, surge a pergunta: "Quando é que a linha deixa de ser uma linha e passa a ser especificamente o contorno que resulta na concretização de algo?" Por enquanto, esta linha é uma linha de forças.
É essencial que a ação simples proposta aqui carregue consigo a importância de um evento desprovido de grandiosidade, desafiando assim a cultura contemporânea ocidental, frequentemente marcada pela rapidez, superficialidade e apelo ao consumo. Reconheço que esta observação pode parecer simplista, porém, o meu objetivo é criar uma experiência que tente ir além da espetacularidade e que, talvez, consiga levantar uma reflexão sobre a atenção e o cuidado. Procuro um espaço onde se escute um tempo potencialmente mais atento (não necessariamente mais lento) e onde a própria ação evoque uma lógica de brincadeira e experimentação, em vez de se centrar no trabalho e na produção.
O resultado, ou os vestígios da performance, tornam-se, após o seu término, um objeto de visita e contemplação, transportando em si a memória de um gesto sequencial, consequente e parte indissociável da ação pictórica inscrita: uma linha de carvão sobre uma folha de papel.