composição | arar o solo com derivas e mistérios
A obra "Composição | Arar o Solo com Derivas e Mistérios" consiste em uma ação performativa que resulta em um objeto expositivo. Ou seja, o público testemunha a construção daquilo que se converterá em um dispositivo de visita e contemplação. Devido a essas características, o projeto visa ser realizado em espaços que permitam ao público escolher a perspectiva, a distância e a liberdade de movimento, como foyers de teatro, museus, galerias e estúdios de ensaio.
À semelhança das criações anteriores de Flávio Rodrigues, o processo inicia-se por meio de uma série de caminhadas e derivações por diversos locais, nos quais serão coletados e colecionados objetos e outros materiais. A seleção destes visa remeter a uma noção do tempo em desgaste. Nesse sentido, são ideados exemplos como cordas, tecidos, pregos, chaves ou clipes - é importante notificar que esta será uma recolha intuitiva, gradual, aberta ao acaso e à improbabilidade.
Conforme o título sugere, as matérias-primas coletadas serão usadas para experimentação e composição de uma escultura. Em suma, a performance consistirá em ações elementares, como dispor, compor, direcionar, unir, destruir ou construir os vários objetos, para que paulatinamente se vá compondo a escultura aqui evocada. Como suporte para a sua sustentação, um quadrado de papel branco de 5 por 5 metros estará disposto no chão. Esta folha não se corrompe e é cuidadosamente preservada para manter-se ao longo de todos os ensaios e apresentações públicas.
Ao final, teremos uma escultura que se conclui e se manifesta a partir de resíduos urbanos, gastos e conotados a uma ideia de lixo sob uma folha em branco, referenciando o conceito de tábula rasa (gênese de um novo começo).
Além de abordar questões ambientais prementes, como a minimização do consumo de recursos por meio da escolha de materiais já existentes e a caminhada como contraponto a formas de deslocação emissoras de dióxido de carbono, o projeto procura implementar um momento ritualístico e cerimonial. Dessa forma, dedica uma atenção especial ao tempo, percebido e desejado como presença viva. Ao desafiar a temporalidade da ação, suscitam questionamentos sobre o tempo experimentado pelo público. A intenção é incitar uma reflexão na audiência, sugerindo uma imersão em uma atmosfera quase suspensa, quase silenciosa e quase analógica. O ambiente é meticulosamente configurado para adquirir uma qualidade sagrada, assemelhando-se a um refúgio etéreo que convida a uma pausa contemplativa, não competitiva e talvez capaz de proporcionar um respiro profundo em meio à voracidade da movimentação audaz que define a vida contemporânea.
No decorrer do processo criativo, será elaborado um trabalho crucial de documentação, passando por registros fotográficos, vídeo e textos críticos. Uma cuidada seleção destes materiais será curada, desenhada e publicada em uma página online de acesso democrático e gratuito.
Projectos anteriores para vosso conhecimento:
2019 - Encómio | aos ossos, à bravura e ao sono dos cetáceos:
https://www.flaviorodrigues.info/encomio-aos-ossos-a-bravura-e-ao-sono-dos-cetaceos/
2022 - Síncrono | do registro ao fluxo:
https://www.flaviorodrigues.info/2022-sincrono-do-registro-ao-fluxo/
2023 - Escrita | da atenção pluriprisma:
https://www.flaviorodrigues.info/escrita/
