desde 2025: Algures | numa mutação feérica
PT
"Algures | numa mutação feérica" é o título de um projeto de criação interdisciplinar que intersecta o gesto coreográfico com a ação de compor e construir um objeto instalativo dentro do território do desenho. Este projeto, em suma, é concebido em três fases distintas que se complementam: na primeira fase, ocorre o encontro com a matéria objetual; na fase seguinte, já em estúdio, é realizado o tratamento da mesma – e, por tratamento, refiro-me ao cuidado, conhecimento, experimentação e adaptação; por fim, o terceiro momento consiste no encontro performativo/visual entre o corpo e a matéria conseguida.
Tenho me interessado essencialmente pela utilização de materiais não extrativistas ou pela reutilização de materiais que, por diversos motivos, deixaram de ter função, predominantemente provenientes de processos de caminhadas ou, mais recentemente, de visitas a fábricas desativadas, por exemplo. Para este projeto, o material a ser utilizado será o papelão (ou cartão), comumente encontrado ao final do dia, descartado às portas das lojas ou mercados. Esse material é feito a partir de polpa de madeira e pode conter uma percentagem de papel reciclado, sendo usado, por norma, para embalar e transportar mercadorias.
Depois de reunir os papelões, em estúdio, passarei por uma fase de experimentação da própria matéria, na qual objetivo a concretização de uma série de pequenos pedaços, nos quais serão destacadas as especificidades que, naturalmente, variam entre si não apenas no tom, mas também na textura, volume e peso, tal como na forma conseguida. As formas serão compostas entre linhas retas, curvas e curvilíneas. Interessa-me construir esses pedaços de papelão, diferentes entre si, como se de um puzzle se tratasse. O desenho será desenvolvido de forma celular, através da junção dos diversos pedaços, resultando em uma única figura.
A performance consistirá no encontro através da pesquisa de movimento e gestos coreográficos provenientes de ações simples como construir, compor, desenhar – e, por consequência, decorar, pousar, mudar de sítio, transferir, juntar, separar, posicionar ou reposicionar os pedaços e o seu paulatino resultado. No final, teremos uma instalação cujo desenho – entretanto completo – é proveniente de uma reflexão e investigação sobre a ideia de "paisagem". Ora, como se cada pedaço pertencesse a um pedaço de paisagem.
A pergunta base "o que é uma paisagem?" é o fim promissor e condutor para uma série de outras questões que emergem como um processo ramificacional de possibilidades de resposta. A paisagem é um conceito profundamente intrincado e subjetivo; não é apenas um arranjo físico de elementos naturais e artificiais. Talvez se aproxime mais de uma interseção entre o mundo exterior e nossa experiência interna, uma vez que o ser humano está sempre inextricavelmente ligado a ela quando presente, porém, quando não presente, a paisagem não deixa de ser paisagem. Independentemente do nosso possível fim, tal como antes e depois da humanidade, haverá sempre paisagens.
Nessa perspectiva, o observador não é meramente um espectador distante, mas sim uma entidade imersa na própria tessitura da paisagem que contempla. A paisagem não é apenas um cenário físico; é também um espaço onde se entrelaçam histórias, desejos, sonhos, culturas e/ou espiritualidade. Em "Democracia da Terra: Justiça, Sustentabilidade e Paz", a filósofa Vandana Shiva escreve: "A Terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à Terra. Em sua essência mais profunda, somos tecidos na tapeçaria da natureza, entrelaçados com o solo que pisamos, os rios que fluem e o ar que respiramos."
Para este projeto, interessa-me explorar essas ideias num mergulho de narrativa poética e altamente subjetiva, sem promessas nem desejos de uma resposta definitiva. Em vez disso, são evocadas reflexões e conceitos sobre elementos como rio, terra, ar, mar, pedra, montanha, vale, céu, ossos, sangue, pele e pelo. O desenho constrói-se com o performer e a audiência, de dentro para dentro e sob dentro. Observa-se fazendo parte. Cada desenho (ou ação performativa), embora respeitando as mesmas regras e intenções semelhantes, é sempre único, adaptando-se à presença de quem assiste e às características específicas do espaço e tempo do momento.
ENG
Algures | numa mutação feérica is the title of an interdisciplinary creation project that intersects choreographic gesture with the act of composing and constructing an installative object within the territory of drawing. In essence, this project is conceived in three distinct yet complementary phases: in the first phase, an encounter with the material object takes place; in the following phase, already in the studio, the material undergoes a process of treatment — by treatment I mean care, knowledge, experimentation, and adaptation; finally, the third moment consists of a performative/visual encounter between the body and the resulting material.
My interest lies primarily in the use of non-extractive materials or in the reuse of materials that, for various reasons, have lost their function — predominantly gathered through walking processes or, more recently, through visits to deactivated factories, for example. For this project, the material to be used is cardboard, commonly found discarded at the end of the day outside shops or markets. This material is made from wood pulp and may contain a percentage of recycled paper, and is typically used to package and transport goods.
After collecting the cardboard, I will enter a phase of experimentation with the material in the studio, aiming to produce a series of small pieces in which the specificities of the material — which naturally vary not only in tone but also in texture, volume, and weight — are highlighted, as well as the resulting form. The shapes will be composed of straight, curved, and curvilinear lines. I am interested in constructing these different cardboard pieces as if they were parts of a puzzle. The drawing will be developed in a cellular manner, through the joining of the various pieces, resulting in a single figure.
The performance will consist of an encounter shaped through movement research and choreographic gestures derived from simple actions such as building, composing, and drawing — and, consequently, decorating, placing, moving, transferring, joining, separating, positioning, or repositioning the pieces and their gradual outcome. In the end, what emerges is an installation whose drawing — by then complete — arises from a reflection and investigation into the idea of "landscape," as if each piece belonged to a fragment of a landscape.
The guiding question, "What is a landscape?", becomes a fertile endpoint and a driving force for a series of other questions that emerge through a branching process of possible answers. Landscape is a deeply intricate and subjective concept; it is not merely a physical arrangement of natural and artificial elements. It may be understood instead as an intersection between the external world and our internal experience, since human beings are always inextricably connected to it when present — and yet, when not present, the landscape does not cease to be a landscape. Regardless of our possible end, just as before and after humanity, landscapes will always exist.
From this perspective, the observer is not merely a distant spectator but an entity immersed in the very fabric of the landscape they contemplate. Landscape is not only a physical setting; it is also a space where histories, desires, dreams, cultures, and/or spirituality intertwine. In Earth Democracy: Justice, Sustainability, and Peace, philosopher Vandana Shiva writes: "The Earth does not belong to man; man belongs to the Earth. In its deepest essence, we are woven into the tapestry of nature, intertwined with the soil we walk upon, the rivers that flow, and the air we breathe."
For this project, I am interested in exploring these ideas through a dive into a poetic and highly subjective narrative, without promises or aspirations of a definitive answer. Instead, reflections and concepts are evoked around elements such as river, earth, air, sea, stone, mountain, valley, sky, bones, blood, skin, and hair. The drawing is constructed with the performer and the audience, from within to within and under within. One observes by being part of it. Each drawing (or performative action), while respecting the same rules and similar intentions, is always unique, adapting itself to the presence of those who witness it and to the specific characteristics of the space and time of each moment.
Criação e performance: Flávio Rodrigues;
Apoio: Balleteatro;
Co-produção em residência artística: O Espaço do tempo (Montemor-O-Novo), Sekoia Artes performativas (Porto), estúdio-corpodehoje (Loulé), Lado a otro - Mirada Contemporáneas em Biblioteca pública de Salamanca (Salamanca) e Roça Mundo – Associação para a Cooperação e Desenvolvimento | Aliança Francesa de São Tomé e Príncipe;
Este projeto integra o ciclo Palcos Instáveis da Instável – Centro Coreográfico em co-produção com o Teatro Municipal do Porto;
in process #1
24 a 30 de Março 2025, em O Espaço do Tempo (Montemor-o-Novo, Portugal);

in process #2
24 a 31 de Outubro de 2025, em estúdio_corpodehoje (Loulé, Portugal);
in process #3
27 a 29 de Novembro de 2025 - Biblioteca Pública de Salamanca, inserido em De Un Lado A Otro | MIRADAS CONTEMPORÁNEAS XV
in process #4
Residência de criação e pesquisa: 17 a 31 de Novembro de 2025, estúdio de Instável Centro Coreográfico (Porto)
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Apresentação pública: 5 e 6 de Dezembro de 2025, apresentação em Palcos Instáveis / Teatro Campo Alegre (Café Teatro)
